segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Reflexões do (e para o) Círio


Chegado o período da festividade do Círio de Nazaré, o momento permite uma reflexão séria a respeito do que se vive nesse tempo e o proveito que dele se retira para o alcançamento dos objetivos paroquiais – em primeiro lugar – e da Igreja como um todo, especialmente no âmbito arquidiocesano.
Não devemos simplesmente considerar como normal tudo quanto acontecerá nesses quinze dias – talvez até mais – de celebrações, romarias e pregações.
Do contrário, que destino se dará aos frutos das conversões e dos compromissos que muitos assumirão diante da imagem da Santa?

Em primeiro lugar, é preciso admitir que o Círio deixou de ser um evento exclusivo da Igreja católica. Hoje em dia é um acontecimento cultural, político, econômico e ainda impulsionador do turismo receptivo na Capital paraense e circunvizinhanças.
Não somente os padres e leigos engajados são mobilizados nos preparativos para a grande festa que se dá a partir da segunda semana de outubro e se estende para depois de concluídas as homenagens à padroeira, Rainha da Amazônia.
Há um lucro enorme em tudo isso, embora nem todos ganhem.
Contudo, em razão das peculiaridades que tem a Igreja, qual o ganho que se leva do Círio? De que adiantam vir a Belém dois milhões de pessoas, participarem das romarias e depois retornarem aos seus locais de origem da mesma forma como chegaram?
Se aqui falamos de uma Igreja missionária, como tem levado adiante essa missão de evangelizar as gentes, mandamento determinado pelo próprio Cristo?

O Círio não se assemelha a uma festa de padroeiro como as demais que toda região possui. O contingente humano que visita o Santuário mariano no centro de Belém é marcado pela diversidade em quase todos os aspectos, inclusive o religioso.
Mas não podemos nos esquivar de evangelizá-los, pois também a esses irmãos e irmãs o Senhor nos envia com uma Palavra de vida eterna.
Para assumir essa missão é preciso vigilância, estar atentos a tudo e com uma disposição – sobretudo espiritual – para acolher bem os que chegam, para que possam sentir-se verdadeiramente na casa do Pai.

A dinâmica do Círio não deve nos deixar estressados, pois de nossas atitudes depende toda a evangelização.
Afinal, um cristão estressado é pior do que um pagão!
Isso somente será possível se acreditarmos que quem conduz o trabalho é Jesus Cristo, a quem emprestamos nosso corpo e nossas aptidões.
Se agirmos de modo diferente desse estaremos incorrendo em dois graves erros.
Primeiro: quem nos vir certamente concluirá que também para nós o Círio é um negócio, mesmo que não consiga descobrir o que ganhamos!
Em segundo lugar, estaremos contribuindo para um possível afastamento de muitos fiéis, que não receberam a mesma oportunidade que nós, e por isso têm menor confiança nas recompensas prometidas pelo Salvador.

Pois evangelizar exige – sobretudo em nosso tempo – criatividade e iluminação.
A primeira para não permanecer nos lugares comuns, nos chavões de uma religiosidade estereotipada e superficial.
A segunda para não criar simples modismos, como semente lançada sobre pedras.


Estaríamos prontos para viver bem este Círio?

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Do Sermão da Montanha

Como diz o Catecismo da Igreja Católica, recuperando palavras de Santo Agostinho, o sermão da montanha pode ser considerado a “carta magna”, a “constituição” da vida cristã, numa linguagem mais acessível.
Porém, apesar da simplicidade com que Jesus o apresenta, não deixa de ser, como conclui o salmista, uma “ciência tão alta que é impossível entender”.
Ou seja, é mistério!
E, sendo mistério escondido de todos desde a eternidade, Deus o vem revelando em doses homeopáticas através da história da humanidade, de modo que a sua palavra faça da terra árida que é o coração do homem ferido pelo pecado uma terra fértil que gera frutos de vida eterna. E para a vida eterna.

Lendo atentamente o que nos chega pelos evangelistas deparamos com mandamentos e conselhos que são, verdadeiramente, impossíveis de serem observados e cumpridos por nossa humanidade pecadora.
Como almejar ser pobre num mundo onde ‘ter’ vale mais do ‘ser’? Como oferecer a outra face e não revidar à agressão? Como repartir o ‘quase nada’ que tenho? Como abrir mão dos meus interesses para ir ao encontro do outro? Pôr-me a serviço do outro, fazer-me servo – como?
A chave para interpretar essa palavra dura é-nos oferecida pelo próprio Jesus, quando, em seguimento à afirmativa de que a Lei deve ser cumprida, declara que Ele é quem a cumprirá.
Não nós, você e eu, com nossa natureza decaída, mas Ele!
E isso em função da nossa felicidade, pois Deus sabe que somos profundamente infelizes. Nossa alma é infeliz!

E a verdadeira razão de nossa infelicidade, do “vazio” que sentimos, da nossa insatisfação com tudo é decorrência do rompimento nosso com Deus. Insistindo em fazer somente a nossa vontade rejeitamos Deus, recusamos o seu amor. Mas nossa alma, que não consegue se alegrar com o ‘ter’, quer contemplar outra vez a face do Senhor, sente falta de Deus.
Como saciar, então, essa ‘sede’ de Deus, essa ‘sede’ de eternidade que trazemos em nós e que por vezes nos consome?

É importante termos consciência de que a palavra de Deus – e em especial aquela proferida por Jesus – tem a finalidade de se cumprir, de se realizar. Igual à água da chuva que, descendo dos céus, não retorna sem antes ter regado a terra conforme determinado pelo Senhor.
E onde se cumpre a palavra de Deus? Em nossa vida, na minha e na sua.

Isso significa dizer que essa mudança realizada pela palavra de Deus não nos fará mais jovens, bonitos nem mais inteligentes ou cultos segundo o mundo.
Mas, sim, nos aproximará da imagem e semelhança do Criador que é, em resumo, misericórdia e compaixão, Amor.

Contudo, para viver o sermão da montanha é necessária uma transformação profunda no espírito, o que só é possível a quem desistiu de fazer a sua própria vontade e passou a admitir que fazer a vontade de Deus é o melhor.
Esse ‘suicídio’ do egoísmo não vem da noite para o dia, nem é alcançado com mero esforço humano – é graça, presente que Deus concede aos que o buscam incessantemente; seja pela oração, mas também pelo deixar-se seduzir pelos encantos do Reino.
Ser como Jesus, ter o mesmo pensamento, as mesmas atitudes, enfrentar os mesmos desafios. Ter Cristo vivendo em nós, como o reconhece São Paulo. Ser outro Cristo, permitindo que sua palavra penetre em nós, alcançando nosso coração e guie nossas atitudes.

Porque é no coração que nasce toda vontade humana de agir, seja para o bem, seja para o mal.
Mas a verdade é que temos um coração malvado, fruto da nossa permanência no pecado, de nossa pouca oração. Do nosso rompimento com Deus e aceitação da ideia de que podemos ser felizes por nós mesmos, fazendo sempre a nossa vontade e procurando ser senhores de nossa vida.
Ainda assim somos amados por Deus, que não cessa de nos querer em seu Reino.

Mas, uma vez que não podemos habitar esse Reino com nossa natureza decaída, é preciso removê-la, transformá-la, transfigurá-la.
E como não podemos realizar tão grandiosa tarefa, por sermos incapazes de converter nossa humanidade pecadora fazendo-a semelhante à de verdadeiros filhos de Deus, é certo que precisamos de ajuda, da ajuda dos céus.

Esse é um processo bastante lento e que exige de nós algo que geralmente não temos: paciência. Porque o mundo nos tem ensinado a ser imediatistas – não toleramos esperar, queremos tudo agora.
Como essa mudança não vem como num passe de mágica, mas acontece no tempo de Deus, que é bem diferente do nosso, não raro ocorre de “atropelarmos” a história, queimarmos etapas e, como consequência, nos tornarmos ainda mais infelizes e, por isso mesmo, desanimados.

O desafio que o sermão da montanha nos lança é o de repensar nossa trajetória, observando com atenção cada momento da caminhada, pois Deus fala conosco por meio dos acontecimentos.
E, sendo assim, precisamos estar em sintonia com Ele para podermos interpretar com precisão os sinais que coloca à nossa disposição.
Somente assim conseguiremos chegar ao Reino que nos está destinado.
O “estar vigilante” consiste nisso e seguir as pegadas de Cristo só é possível quando nos deixamos conduzir pelo seu Espírito, pois não conhecemos o caminho – em verdade somos como ovelhas, que precisam do pastor a lhes indicar o rumo certo, até as pastagens verdejantes e de água cristalina e pura.

Somente assim se cumprirá em nós o sermão da montanha e, ao contemplá-lo novamente – lendo ou escutando – veremos que ele reproduz exatamente o que Cristo modelou em nós.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Palavras...

Carta-despedida entregue aos colegas do Banco do Brasil agência 1232-7, por ocasião de minha saída da instituição, ao final de julho de 1995.


Foram dezoito anos e mais alguns meses de muito trabalho, fazendo acontecer o crescimento do Banco, perdendo um pouco da saúde, ficando distante da família, deixando de ver os filhos crescerem...
Dezoito anos de luta árdua. Algumas batalhas travadas contra chefes intransigentes, outras com colegas acomodados, outras com subordinados relapsos.
Dezoito anos...

E depois, vem isto...
PDV... Para Deixar Viver.
É, viver longe de uma rotina que foi uma característica marcante na vida de um profissional dedicado, competente, até um pouco idealista por algumas vezes.

Se me permitirem, saio agora.
Disposto a, igual àquela canção, “começar de novo”, passo a passo em direção a um futuro melhor.

Dizer que não me vem o medo, seria enganar a mim mesmo. Há sempre o temor do novo, o desconhecido.
É uma aventura? Sim, é; mas uma aventura perigosa, um risco. Pois há a possibilidade de tudo dar errado, de me ver às voltas com um fracasso que me colocaria em situação pior do que a atual.

Partilho da mesma opinião de muitos colegas quando se comenta a respeito do futuro do Banco.
O trabalho para sucatear esta que foi a minha Casa durante dezoito anos e uns meses de fato é visível.
E vem se mostrando eficaz.
Não há mais ânimo, a vontade de vencer desafios está sufocada diante de tantas perspectivas nefastas.

Percebo inúmeros colegas tensos, agressivos, deprimidos...
O fato de me ter decidido a sair não me exclui da possibilidade de ficar. Mas, confesso, seria bastante penoso para mim, nascido para o Banco num tempo em que havia uma compensação pecuniária para o desgaste do estar todos os dias às voltas com clientes exigentes, inadimplentes, espertos, pernósticos e mais uma gama de adjetivos impublicáveis.

Vejo colegas hoje administradores na difícil situação de empurrar funcionários para a degola incentivada.
O corte de comissões, o corte de vagas gerado pela redução dos quadros das agências, tudo isso mortifica o servidor que, durante anos, décadas até, esteve à frente de uma série de serviços que o levavam ao estresse.
Tudo pelo nome do Banco, para que houvesse um futuro para a Casa que nos acolhia.
E, de repente, não mais que de repente, como deve ter ocorrido em Pompeia com o Vesúvio, o vulcão FHC e seus assessores dão continuidade à sanha dos adversários mortais do Banco, iniciada ainda com timidez nos tempos de Mailson da Nóbrega, e prosseguindo em passos de lesma no período “collorido”.

E lá se vão mais colegas. Alguns, para a aposentadoria precoce; outros para o mercado capitalista em recessão, ainda com garra para tentar sobreviver em meio às crises eternas que governo algum conseguiu resolver. Quando muito mascararam a realidade, para enganar os incautos, tipo o “Eremildo” do Elio Gaspari.
E são esses “salvadores da pátria” que hoje tentam mostrar à sociedade que a saída para o Banco não afundar está na demissão de pelo menos 16.500 funcionários que seriam, para o governo caros demais; a revista “VEJA” foi mais audaciosa e, captando o pensamento de nossos adversários, nos pintou como sendo os “mais improdutivos”.
Assim como espero ter sucesso na empreitada a que me arrisco a partir de 1º de agosto, desejo que os colegas que permanecerem na Casa possam ter a mesma garra, a mesma disposição para evitar o já quase inevitável sucateamento da instituição, que deve ter como fim a privatização a um custo para os abutres bem menor do que realmente vale.
Ver-nos-emos de lados diferentes do balcão, a partir de agosto.
A partir daí, desejo aos que ficarem muito sucesso, muita garra.
Tenho certeza de que precisarão.
Um abraço,
Julho de 1995.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Fim de ano. Outra vez...



Aproxima-se um novo final/início de ano civil e, com isso, pululam os conhecidos e tradicionais votos augurando um tempo novo melhor, na esperança de que venham sucessos, saúde e alegrias melhores do que as experimentadas no período que se conclui.
E novamente vêm à tona as reflexões próprias de quem tem tempo para isso, numa tentativa de adivinhar o porvir, mais do que em qualquer outra época.
É o momento das “promessas” a serem cumpridas por todo o ano que começa, embora quase todos saibamos que elas serão esquecidas à chegada de um novo acontecimento, sobretudo se este for, como costumam ser as novidades, inesperado e suficiente para engavetar as proposições anteriores.

Mas não deixa de ser algo bom parar um pouco dessa correria em que se transformou a nossa vida e, sem a pressa contumaz, sonhar um pouco, saboreando os instantes que aparecem e nem sempre nos encontram atentos para aproveitá-los.
Tempo para dar um sorriso sem razão, cantarolar mesmo que seja uma canção que denuncie a nossa idade, brincar um pouco...
Coisas simples que às vezes a gente esquece de que são possíveis e, quase sempre, gratuitas e gratificantes.
Como a luz e o calor do sol da manhã, o cheiro de chuva ao fim da tarde, o luar que enfeita algumas noites...
Coisas que estão aí quase todos os dias, mas que a gente nem se apercebe, porque está bastante empenhado em produzir, realizar coisas que não permanecerão conosco. Tipo ganhar dinheiro e mais dinheiro, comprar celular novo, carro novo, casa nova, vida nova...

E nem precisa ficar pensando em filosofias, basta apenas esticar a perna por sobre outra, numa cadeira ou banquinho, bebericar um copo de cerveja, de vinho ou mesmo um refrigerante ou suco, deixar o pensamento viajar à toa, sem pressa de chegar.
Coisas assim pequenas, simples, e que costumam não custar muito caro.


Ainda...

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Os inominados

Em minhas “andanças” pelas Escrituras deparei-me com aquilo que hoje criei coragem para discorrer mais detidamente a respeito. São trechos dos evangelhos em que Jesus se encontra com pessoas concretas e nelas se veem verdadeiras catequeses.
São diversos esses encontros de Cristo que se podem saborear e nos conduzem a um amadurecimento na fé – Madalena, Zaqueu, Natanael, a samaritana, o cego de Jericó, a hemorroíssa, e tantos outros mais.
Entretanto, percebi que há também pessoas que são, por assim dizer, inominadas; não nos são ‘apresentadas’ e o contexto chega a ser tão explícito que as conhecemos sem delas saber o nome ou a procedência. Apenas estão lá, com suas atitudes registradas pelos evangelistas.
Isso me chamou a atenção, de modo que me permiti comentar sobre elas. Para tanto escolhi três dessas situações, que são essas:
1] - Crucificado, Jesus fica entre dois malfeitores. Um deles o evangelista diz chamar-se Dimas. E o outro, como se chama?
2] - Ressuscitado, Jesus tem sua visita aos apóstolos contestada por Tomé. Esse apóstolo é chamada também como “Dídimo”, que quer dizer “Gêmeo”. Ou seja, Tomé, o incrédulo, tem um irmão gêmeo. Como se chama esse irmão?
3] Durante o percurso de Jerusalém a Emaús Cristo aparece e inflama o coração de dois discípulos, que o reconhecem apenas ao partir o pão. Um deles o evangelista diz que se chama Cléofas. Qual o nome do outro discípulo?

Apartados das multidões que seguiam Jesus, em episódios pontuais, essas pessoas aparentemente desconhecidas são colocadas pelos evangelistas de modo que compõem a moldura de um cenário catequético e mesmo querigmático.
Partindo desses três episódios é-nos permitido pensar que se trata de uma forma de evangelização utilizada pela Igreja primitiva, a mesma que a reforma teológica iniciada com o Concílio Vaticano II tem revigorado em nossa Igreja. Os últimos papas – Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI – e também o atual, Francisco, em muito contribuíram para resgatar esse modo de evangelizar.

Sabemos que os Evangelhos não são relatos puramente históricos da vida de Jesus. Antes, constituem um modo utilizado pela Igreja Primitiva para catequizar os que buscavam a Igreja para serem batizados e experimentar a mesma alegria que viam nos cristãos de sua época, mesmo em meio à perseguição política e religiosa de seu tempo.
E qual seria esse “método”? O de catequizar por meio de diálogos que colocam a adesão a Cristo, crucificado e ressuscitado, numa dimensão existencial, já em vista da escatologia dos últimos tempos.
Assim, o catequizando torna-se parte intrínseca do processo; a catequese o insere em cada momento registrado da presença de Cristo. Algumas vezes fazendo parte da multidão – como no sermão da montanha, na pesca milagrosa, na multiplicação dos pães, etc. Em outras, a participação é individual, como nos momentos que ressaltei.

Observando segundo esse enfoque, podemos direcionar para quem escuta a identidade da pessoa que os trechos proclamados mencionam. Assim, o “ladrão” ao lado de Jesus sou eu, é você. O irmão gêmeo de Tomé e o companheiro de Cléofas, também.
Ou seja, somos nós os que blasfemamos diante do Crucificado; somos nós ainda um dos que duvidam da ressurreição – possivelmente porque nos encontramos sepultados em nossos pecados – e também somos nós que não conseguimos identificar Cristo no outro, que caminha ao nosso lado. Somos lentos para entender o cumprimento das Escrituras – não só na vida de Jesus, que alguns de nós conhecemos até de cor, mas, sobretudo em nossa própria vida – em casa, na escola, no trabalho, na comunidade...

Jesus vai ao nosso lado e não o reconhecemos!
Outro aspecto interessante é que, antes da ressurreição esses encontros “personalizados” se dão geralmente em meio à multidão. Apenas depois da Páscoa é que ganham esse contexto particular. Ressuscitado, o Senhor se torna mais ainda “um conosco”, faz-se presente na individualidade de cada um para nos conduzir à comunhão com os outros, a nos fazer verdadeiramente Igreja-comunidade.
Penso que isso também é uma forma de centrar nosso enfoque para o principal. São Paulo e outros apóstolos garantem que o eixo do Cristianismo não se encontra no Jesus histórico, aquele que percorreu as estradas e cidades do Israel do tempo da dominação romana. Mesmo sua paixão e a morte foram “etapas” até alcançar o ponto principal e que permanece até hoje como o centro da pregação – um homem venceu a morte, foi sepultado, mas de lá saiu sem experimentar a corrupção.
Essa garantia a tiveram os apóstolos e os que creram na sua palavra, no anúncio que receberam de quem testemunhou isso tudo. E para nós isso deveria ser suficiente, se tivéssemos força de vontade para resistir aos que nos dizem o contrário.

No entanto, nos escandalizamos quando nos deparamos com o nosso próprio pecado, seja ele qual for. Em nossa ideia de justiça queremos ser perfeitos por nossas próprias forças e isso, por não vir de Deus, não o conseguimos. Queremos estar convertidos de uma vez por todas, mas a realidade, o dia a dia nos faz experimentar que isso é algo impossível, pois esbarramos sempre em nossa limitação.
Por que Deus permite que seja assim? Creio que São Paulo tem a resposta: quando escreve aos cristãos de Roma afirma que somos seres carnais e não espirituais; e que o homem da carne não pode agradar a Deus, não pode realizar as obras do Espírito.

Quando nos voltamos para as coisas do Espírito a nossa carne – nossas concupiscências – reclama, porque deseja ser saciada. Isso nos leva ao combate interior, cujo resultado fica evidente apenas a quem nos observa com atenção. São as nossas atitudes que revelam o vencedor dessa batalha que se trava lá no íntimo de nós.
Se em nós venceu o Espírito de Deus, nosso comportamento exterior revela essa condição. E também se venceu a carne!

Se, mesmo ganhando o mundo, somos tristes e acabrunhados, ‘reclamões’ e insatisfeitos, permanecemos, como os personagens mencionados ao início, inominados, dispersos na multidão, qual massa disforme, sem pertença particular a grupo algum.


É o que desejamos?

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Experiência gratificante

Vivi neste final de semana uma experiência que, confesso, desejava, mas não alimentava a expectativa de vê-la realizada.
Já são quase trinta anos de caminhada – a se completarem em junho próximo – e eu sentia algo como um princípio de desânimo, apesar das muitas vitórias de Cristo que presenciei durante o transcurso dessa peregrinação.

Tivemos a convivência de Início de Curso 2015 com as comunidades que nossa equipe conduz – três da Transfiguração do Senhor e duas de Nossa Senhora das Graças, ambas em Ananindeua. Conosco estavam duas de Santa Rita de Cassia e duas de Nossa Senhora do Guadalupe, também de Ananindeua, conduzidas pela equipe que tem à frente Josimar e Luzia. E ainda uma comunidade – não recordo qual – de Cristo Rei, Castanhal, levadas à frente pela equipe do Carlos Leal e Aldenora.
Ao todo eram dez comunidades de cinco paróquias, que, somados os catequistas e algumas babás, ultrapassavam 150 pessoas, mais do que o limite previsto para a Casa, em torno de 130 a 140 almas. E mais da metade – arrisco estimar em ¾ do total – jovens. Havia quartos que tiveram sua capacidade excedida, colchões pelo chão. Humanamente, tudo contribuía para um caos.
Até nosso catequista se mostrou preocupado e, embora confiante, buscava notícias sobre o evento, que se encerraria no domingo do dia das mães, outro elemento que poderia conturbar a convivência.
Mas aí se deu o primeiro dos milagres que presenciei. Não houve qualquer tumulto. Lembro de apenas uma reclamação, a de uma mãe que desejava mais conforto para seu filho, ainda que este nada manifestasse. Coisas de mãe...

No sábado, que se desenhava bastante assoberbado – Laudes, perscrutação, Penitencial, questionário... –, meu coração permanecia sobressaltado, como à espera de um desastre. Para verem como sou pessimista...
Durante a penitencial nem me lembro de quantos padres havia ao certo, pois ficou gravada a experiência compartilhada pelo padre Vicente, lusitano que nem o meu primeiro catequista, padre João Marcos, hoje bispo na terrinha (e conhecido de padre Vicente). Alguém que viveu um tempo de crise que quase o fez desistir da vocação e que reencontrou o ardor ao trabalhar com jovens egressos das drogas num centro de reabilitação. Precisou cruzar o Atlântico para recuperar a fé...
Uma declaração corajosa e entusiasmante, que quase nos fez perder o desejo de almoçar, após o pequeno jejum daquela manhã.
Após o “desjejum festivo” e um pequeno intervalo a assembleia foi dividida em grupos para responder a um questionário com perguntas sobre a orientação do magistério da Igreja colocado em prática na vida cotidiana. Não era exatamente esse o título dado, mas, em resumo, era esse o assunto.

Na hora de colocarmos em comum as respostas do questionário, eu, na minha incredulidade, via aí o segundo estrangulamento da convivência, sendo que o primeiro, na noite anterior, já não ocorrera.
Foram dezoito grupos mesclando jovens, casados, viúvos, respondendo a uma dezena de perguntas que desnudavam não somente o conhecimento, mas, sobretudo a vivência da orientação recebida da Igreja enquanto instituição.
Numa sala ampla e refrigerada – temperatura média de 18 graus –, já pela manhã acontecera de muitos se agitarem para fugir do frio, deixando seus lugares ou mesmo saindo, ignorando o momento, quer fosse uma pregação, uma leitura ou um canto. Aproximava-se a noite e a temperatura exterior também caía...
Aí se deu o segundo milagre. Durante mais de uma hora, sucedendo-se respostas dadas pelos secretários, nenhum dos jovens deixou a sala. Escutavam atentos ao que era dito nas respostas ou eventuais intervenções dos catequistas.
Isso nos deixou assombrados – no bom sentido, claro! Mas havia ainda surpresas reservadas para aquele dia...

Após o jantar, quase nove da noite, voltamos a nos reunir para escutar uma catequese sobre o magistério da Igreja, procurando iluminar nossa conduta, enquanto desejosos de sermos verdadeiros cristãos. A rigor, um tempo árduo, pois, ainda que o tema possa ser interessante, há um combate terrível contra o cansaço, o sono e o frio do ambiente – a temperatura continuava em 18 graus.
Era a hora de ocorrer o terceiro milagre: uma assembleia atenta permaneceu na sala por quase duas horas, como que bebendo do que a Igreja trazia para alento do espírito e encorajamento dos ânimos de todos nós.
Nas convivências, no sábado à noite, encerrados os trabalhos do dia, é costume as pessoas se reunirem – geralmente os mais jovens, embora também alguns adultos – para “esticarem” um pouco em rodas de conversas, cantorias, danças... Quando são muitos os jovens, não raro ocorre de haver excessos: vozes e cantos que incomodam a quem busca o repouso, o que sempre gera alguma confusão...
Hora, então, de mais um milagre: nada disso aconteceu. Ficaram reunidos até mais de uma hora da manhã e nenhum exagero. E havia entre eles alguns dos que se costuma chamar de “bagunceiros”. Coisas do Espírito Santo...

Não bastasse tudo isso, no domingo houve a celebração da Eucaristia. A previsão era de que fosse presidida pelo padre Edmundo, que já estivera no sábado, para a penitencial. A surpresa veio por conta da impossibilidade de vir à convivência por causa de outra tarefa recebida para o mesmo horário.
Procuramos por um presbítero e parecia que ou ficaríamos sem Eucaristia, ou a celebraríamos quase ao meio-dia, quando seria possível chegar o padre Edmundo.
E aí, para selar a convivência, como um “plano B”, eis que vem o padre Vicente, aquele mesmo que vivera a experiência do resgate de jovens, que nos brindou com uma bela homilia, dessas que dá raiva na gente ter deixado de gravar para escutar outra vez mais tarde.
Selando os milagres desse final de semana, a notícia do pagamento – integral e com sobras – da convivência, apesar das dificuldades que muitos alegaram com antecedência, inclusive usando o argumento de não terem dinheiro para os gastos. Definitivamente, Deus queria que essa convivência acontecesse!

Retornei para casa cansado, é verdade, mas agradecido a Deus pela oportunidade que me concedera de presenciar os milagres que enumerei. Uma convivência de Início de Curso que guardarei com carinho entre as várias lembranças de passagens fortes do Senhor, fazendo prodígios com seu braço forte.

Apesar da minha incredulidade, não tenho como não reconhecer o que diz o salmista quando afirma que “o braço de Iahweh não secou”, o seu poder permanece e, se é assim, certamente haverá de completar a obra que começou comigo.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

de eleições


A poucos dias das eleições gerais deste ano dei uma pausa ao silêncio que tomou conta de mim nos últimos tempos, depois de ler três artigos do Prof. Felipe Aquino, que recebo periodicamente da Editora Cléofas.
Reconheço que os textos causaram um alvoroço nos meus pensamentos, me colocando em xeque. Para ser franco, fiquei (e ainda me encontro!) entre a cruz e a espada.
O raciocínio do professor está correto, não posso me eximir de responsabilidade diante de Deus nem da nação, mesmo não conseguindo enxergar coisa boa entre os milhares de candidatos, mesmo frente a tantas atrocidades que são praticadas e das quais algumas me chegam ao conhecimento.

Um dos artigos, em que critica o uso do ‘voto em branco’ e/ou do ’voto nulo’, defende que agir contribui para que o mal se perpetue, o que é verdade, pois sempre alguém será eleito e, pela falta de boas opções, certamente será aquele que melhor agiu nesse sentido, inclusive se utilizando de meios bastante reprováveis caso venham a ser descobertos.
Votar no “menos ruim” como alternativa frente aos absurdos que surgem a todo instante significa escolher o “mal menor”. Contudo — e aqui reside o grande problema! —, qual seria esse “mal menor”? Afinal, os candidatos que hoje se digladiam estarão amanhã em uma hoje inadmissível aliança; o que hoje parece coerente (ou menos incoerente!) amanhã será que permanecerá o mesmo?
Numa situação dessas, quando o impasse é dessa grandeza, eu consigo entender (não falei em aceitar nem em concordar!) o procedimento de Pilatos, colocado pelas circunstâncias entre condenar um inocente e ir de encontro aos poderosos.

Quando começo a pensar que o errado sou eu em não querer tomar parte nesse imbróglio todo, que deveria sair procurando o que for possível obter a respeito dos diversos que campeiam em busca de votos, recebo mensagem de uma amiga em que desabafa tudo aquilo que, mesmo eu não querendo, é o que consigo enxergar na realidade política do meu País.
Ela tem razão – e muitos outros que pensam de modo semelhante. Pois contemplamos diuturnamente, mesmo não querendo, não buscando, um verdadeiro tsunami de injustiças acontecendo em todos os lugares. Em casa, na escola, no trabalho, no trânsito...
Penso que não exista um só local neste mundo que esteja livre da injustiça. Injustiça social, racial, sexual...
De todos os lados eclodem, como foguetes de São João — surtos de injustiça.

Aí me vem um outro pensamento, que, embora não explícitos nos artigos do professor Aquino, nem nas citações por ele apresentadas, atravessam os textos e dão-lhe o sentido que nos parece inadmissível nos chamados tempos hodiernos.
O único justo, aquele que poderia ter feito justiça e aniquilado os injustos da face da terra, no momento em que foi colocado frente a frente com a injustiça mais profunda, não o fez. Ou, por outro ângulo de observação: não o fez como nós gostaríamos que tivesse feito.
Antes, frente a quem o agredia olhava com ternura; a quem o matava oferecia misericórdia, perdão. Agiu como propôs que se fizesse, naquele primeiro momento, por ocasião do pronunciamento das bem-aventuranças.
Para os conceitos do mundo, do nosso mundo — seu e meu — isso é uma loucura!
No entanto, agir assim é fazer justiça, a verdadeira justiça.

Eu não quero que os injustos se perpetuem no poder em nosso País. Não quero que o povo continue sendo enganado pelos que se locupletam com os negócios escusos que pululam a céu aberto. Não quero que a injustiça continue proliferando sem um horizonte que lhe impeça o avanço.
Mas não posso querer que as coisas aconteçam segundo o meu entendimento. Porque tenho de reconhecer que a mim não foi dado o poder de julgar ninguém. Se Deus não me pusesse certos limites, seria eu a estar desempenhando as mesmas atrocidades que hoje se veem por aí, enriquecendo ilicitamente e oprimindo a muitos, impondo as minhas vontades.

A mim foi dado, apenas, o poder de escolher quem vai estar no parlamento ou no governo. Do município, do Estado, do País. Para isso era necessário que eu conhecesse as propostas de quem se oferece para esse serviço. Que investigasse pelos meios ao meu dispor o que estaria por trás desse interesse de se candidatar.

Mas, confesso que, em vez disso, preferi ficar na penumbra de não ir em busca dessas informações, juntando-me à maioria que desliga o rádio ou a TV no horário politico e não acompanha o que fazem os candidatos. Talvez por vergonha de me dizer interessado em votar bem, não desperdiçar o meu voto. E, com isso, perdi a oportunidade de, neste momento, poder saber quem, de fato, será o ‘menos pior’ dos que aí se encontram.

Sei que agora é um pouco tarde para recuperar o tempo perdido, mas não para que essa reflexão me faça mais atento, a partir de agora, para a minha responsabilidade frente ao processo eleitoral brasileiro, não seja apenas mais um.

Espero...